quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Espelho, espelho meu

Certa vez, fiz uma eletiva chamada Cinema e Psicanálise. Matéria muito interessante, vários filmes bons, sem falar em um texto excelente que lemos sobre o assunto (esse aqui). Já concluí a eletiva faz tempo, mas semana passada, me peguei rindo sozinha lembrando dela. E não por causa dos vários filmes bons ou do texto excelente. Me diverti na verdade foi com a lembrança de um pequeno detalhe, um comentário que a professora fez para exemplificar as maravilhas do ser humano. Aliás, ela fazia muito isso. Adorava analisar pequenas coisas ritualizadas que só o homem com toda sua complexidade é capaz de fazer. O que faz sentido até, já que ela é psicóloga, então nada mais justo que adore aquilo que escolheu como profissão, as maluquices da mente humana. Mas enfim, o comentário da professora era sobre um fenômeno curiosíssimo: o ritual de "usar" o espelho.

Muitos homens desligados e/ou alienados podem nem saber o que isso significa, mas com certeza todas as mulheres já foram expectadoras ou até protagonistas desse fato. Na situação em que lembrei da minha professora, fui expectadora. Vítima do sexo das bexigas pequenas, enfrentava a fila do banheiro de uma boate quando umas meninas passaram e prontamente informaram suas intenções, antes que a mulherada pensasse que estavam furando fila: "A gente não quer ir no banheiro não, só vamos usar o espelho". Sim, elas só queriam "usar" o espelho. Fantástico, não? Entraram, ajeitaram o cabelo, retocaram a maquiagem, arrumaram a roupa, sorriram, fizeram pose de diversos ângulos, perguntaram umas pras outras se estavam bem e foram embora.

Verdade que espelho como mero acessório que reflete imagem pode ser usado até por quem não reconhece que a imagem duplicada é um reflexo. Experimente, por exemplo, colocar um peixe beta na frente de um espelho, um gato, ou então um cachorro. É uma diversão só. Verdade também que o espelho como mero acessório que reflete a imagem pode, e é inclusive, bastante usado pelos muitos homens desligados e/ou alienados. Que a gente sabe que na verdade não são nem tão desligados ou alienados assim, e compartilham com as mulheres o ritual de usar o espelho, mesmo que em menores proporções.

A grande questão é que quando o ato de usar o espelho passa a ser um ritual, o que era um mero acessório vira uma garantia. Diferente do peixe, gato ou cachorro, as meninas da boate sabem que aquelas do outro lado são elas, e isso pouco importa. O que elas buscam do lado de lá é a comprovação de que são atraentes e desejáveis. De diversos ângulos, claro. E quando a gente pensa que tudo isso já é um tanto quanto incrível, elas surgem com a cereja no topo do bolo. O ritual só acaba quando o espelho transcende o objeto e vai parar na amiga do lado. E ai dela se quando ouvir um "estou bem?" não responder na lata: Está linda!