quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Salve-se quem puder

Desde os seus primórdios, a humanidade sofre com um mal terrível que se alastra cada vez mais rápido pelo mundo. As infestações costumam acontecer em todos os lugares, sem discriminação, e de forma tão silenciosa que é difícil notar até o estrago já estar feito. Alguns dizem que suas causas são genéticas e se manifestam desde os primeiros anos de vida. Outra corrente acredita que o mal é contraído, podendo se manifestar de diversas formas e sem restrições etárias. A verdade é que as teorias são muitas e, em sua maioria, não passam de meras especulações. Ninguém sabe ao certo o que está por trás desta coisa terrível, não há estudos sobre o assunto, muito menos instruções de combate. É como se a humanidade tivesse vergonha de assumir a verdade, a podridão que está entranhada na sua essência, e preferisse fingir que não existe a assumir essa falha.

Porém, eu não viro a cara para o problema! E como um primeiro passo na luta contra um dos maiores males de todos os tempos, aventuro-me a listar algumas das faces mais comuns que ele apresenta:

1. O Espaçoso

Essa modalidade é caracterizada pelo egoísmo do espaço físico. Seus sintomas mais comuns são: diminuir o espaço dos outros para aumentar o próprio; atrapalhar passagens sem nenhum pudor; formar barricadas de objetos próprios que funcionam como fronteira delimitadora e até empurrar pertences alheios. Em graus avançados, os espaçosos desenvolvem diversas características típicas dos rabugentos. Muito encontrados em ambientes de trabalho, bares, boates, restaurantes, praia, etc.

2. O Questionador

Irritantes até dizer chega, questionadores são muito fáceis de reconhecer. Ao mero princípio de conversa, eles já apuram seus ouvidos e sorrateiramente desviam o assunto principal para uma discussão, normalmente longa e chata, sobre os detalhes irrelevantes no todo. Suas vítimas são arrastadas para esse labirinto verbal, cuja única saída é aceitar o que for falado. A palavra preferida dos questionadores é “não”. Eles têm a ânsia de provar que os outros estão errados, em inúmeros pontos de vista. Na Grécia antiga, eram conhecidos como Sofistas.

3. O Pegajoso

Normalmente fica adormecida em seus portadores, se manifestando somente a partir dos 50 anos. 90% das famílias apresentam ao menos um caso, o que levanta suspeitas de ser hereditária. Os infectados costumam ocupar postos secundários na árvore genealógica, como as tias e os primos distantes. Uma atitude típica é comentar coisas do tipo “como você cresceu, lembro de quando você era só um bebê”. Frente a um pegajoso, o ideal é evitá-lo ao máximo. A menor distração pode resultar em vítimas, com um pegajoso grudado no pé, fazendo comentários inconvenientes em tom arrastado.

4. O Centro das Atenções

Essa vertente impregna o ambiente. Em situações de grupo, fica aflito, buscando sempre maneiras para que o assunto geral seja sobre ele. Em casos extremos, pode até mentir como uma forma de auto-aprovação. Se acham sempre os melhores, mais inteligentes, mais bonitos. São popularmente classificados como tendo um rei na barriga. Muito fáceis de se combater. Basta ignorá-los. Isso os levará à loucura.

5. O Rabugento

Provavelmente o mais destrutivo e maligno de todos. É a podridão em pessoa. Seu único objetivo na vida é reclamar, de tudo e de todos, a todo o momento. Dependendo do nível de contágio, conseguem se camuflar e se misturam facilmente em grupos saudáveis. Quando criam raízes e estão oficialmente dentro do grupo, dão o bote e mostram sua verdadeira face. Mas aí já é tarde demais para se afastar.


Estes são apenas alguns dos muitos tipos de pessoas insuportáveis que existem por aí. Eles são um mal real e devem ser combatidos, pelo bem do convívio pacífico em sociedade. Chega de fingir que pessoas insuportáveis são aceitáveis! E que venha o dia em que a insuportabilidade será erradicada do planeta.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Espelho, espelho meu

Certa vez, fiz uma eletiva chamada Cinema e Psicanálise. Matéria muito interessante, vários filmes bons, sem falar em um texto excelente que lemos sobre o assunto (esse aqui). Já concluí a eletiva faz tempo, mas semana passada, me peguei rindo sozinha lembrando dela. E não por causa dos vários filmes bons ou do texto excelente. Me diverti na verdade foi com a lembrança de um pequeno detalhe, um comentário que a professora fez para exemplificar as maravilhas do ser humano. Aliás, ela fazia muito isso. Adorava analisar pequenas coisas ritualizadas que só o homem com toda sua complexidade é capaz de fazer. O que faz sentido até, já que ela é psicóloga, então nada mais justo que adore aquilo que escolheu como profissão, as maluquices da mente humana. Mas enfim, o comentário da professora era sobre um fenômeno curiosíssimo: o ritual de "usar" o espelho.

Muitos homens desligados e/ou alienados podem nem saber o que isso significa, mas com certeza todas as mulheres já foram expectadoras ou até protagonistas desse fato. Na situação em que lembrei da minha professora, fui expectadora. Vítima do sexo das bexigas pequenas, enfrentava a fila do banheiro de uma boate quando umas meninas passaram e prontamente informaram suas intenções, antes que a mulherada pensasse que estavam furando fila: "A gente não quer ir no banheiro não, só vamos usar o espelho". Sim, elas só queriam "usar" o espelho. Fantástico, não? Entraram, ajeitaram o cabelo, retocaram a maquiagem, arrumaram a roupa, sorriram, fizeram pose de diversos ângulos, perguntaram umas pras outras se estavam bem e foram embora.

Verdade que espelho como mero acessório que reflete imagem pode ser usado até por quem não reconhece que a imagem duplicada é um reflexo. Experimente, por exemplo, colocar um peixe beta na frente de um espelho, um gato, ou então um cachorro. É uma diversão só. Verdade também que o espelho como mero acessório que reflete a imagem pode, e é inclusive, bastante usado pelos muitos homens desligados e/ou alienados. Que a gente sabe que na verdade não são nem tão desligados ou alienados assim, e compartilham com as mulheres o ritual de usar o espelho, mesmo que em menores proporções.

A grande questão é que quando o ato de usar o espelho passa a ser um ritual, o que era um mero acessório vira uma garantia. Diferente do peixe, gato ou cachorro, as meninas da boate sabem que aquelas do outro lado são elas, e isso pouco importa. O que elas buscam do lado de lá é a comprovação de que são atraentes e desejáveis. De diversos ângulos, claro. E quando a gente pensa que tudo isso já é um tanto quanto incrível, elas surgem com a cereja no topo do bolo. O ritual só acaba quando o espelho transcende o objeto e vai parar na amiga do lado. E ai dela se quando ouvir um "estou bem?" não responder na lata: Está linda!